quinta-feira, 2 de abril de 2009

Realidade



No momento em que estamos mais esperançosos, algo vem e destrói tudo.
Foi exatamente o que aconteceu no dia 08/06/2008, quando cheguei ao hospital Getúlio Vargas, depois de 2 horas de sono.
Um olhar distante, mas consciente. Uma voz rouca, mas firme. Gestos fracos, mas confiantes. Tudo isso vi em minha mãe, mesmo sem nunca ter sido tocada, auscultada, olhada ou “observada” por algum médico daquele hospital (é revoltante!).
Uma vontade louca de voltar para casa fez com que pedisse para tomar banho. Queria voltar cheirosa, com semblante de saúde e de uma beleza que só ela tinha... natural.
Água fria, sabonete cheiroso, vestido limpinho... davam um ar de confiança inegável.
Mas aí sentiu a mão de Deus em seu peito, quando disse as últimas palavras: “Não vou mais voltar para casa. O médico não vai mais me dar alta, Auricélia”. Talvez quisesse complementar: “porque estou indo para Deus”, mas não deu tempo.
Um olhar penetrante fez ecoar pelo universo seu último suspiro. A dor me desolou nesse instante. Foi o espaço de tempo mais profundo, doloroso e marcante da minha vida e do meu maninho, Aurilson. A minha vontade naquele instante era doar minha vida para minha mãe.
Gritos de socorro ressoaram, mas era inevitável o que estava por vir.
Depois de os médicos (única vez em que a tocaram) tentarem por mais de 20 minutos fazer o impossível, que era trazê-la de volta... a notícia: sua mãe se foi!
Neste momento, não sei e nem lembro o que aconteceu com meus reflexos, pensamentos e emoções, pois chorava e gritava muito. Só lembro de um momento o Aurilson segurando forte meu braço e dizendo que ela estaria bem melhor que nós. Foi aí que senti um sopro de Deus confirmando as palavras de meu irmão.
Daí me fortaleci que nem a torre de Davi e consegui resolver tudo que me aguardava em seguida.
Ligações para Aurizélio, Wilson, Sâmmya, Corrinha, Vovô, Luan, Anne, Célia, Tia Fatinha, Tia Tânia, Vovô Luiz, Rosinha, Guiomar, Conceição Carvalho, Ducarmo etc... Instituto Médico Legal – IML, 6º DP, Funerária Nova Vida Eterna e a viagem de volta a Piripiri. A pior viagem que já fiz em minha vida com meu irmão Aurilson e minha mãe. Sabia que ela estava conosco no carro a viagem inteira, mas sabia também que não poderia mais dar um sorriso, um abraço ou um olhar...
Chegada a Piripiri... Estou “sem pernas”... alguém me pega pelos braços: meu pai... “Eu te amo” e Luizim... Meu irmão Aurilson.... não sei... está em estado de choque.
Vejo todos... família, muitos amigos... enfim. Luan, meu amor, me traz água e me acalenta com seu carinho... Todos ficam ao meu redor e perguntam como tudo aconteceu, tentando compreender.
Ás 21h10, vindo de Lago da Pedra – MA, chega meu irmão Aurizélio e minha cunhada Viviane...
Choro... lágrima... abraço... consolo.
É dia 09/06/2008, às 3h, vindo de avião de Campo Grande – MS até Teresina, chega meu irmão Wilson Filho, acompanhado de Luan, que foi buscá-lo...
Choro... lágrima... abraço... consolo.
Adormeço sem me sentir... Acordo! São 6 horas.
Às 9h30... oração, canção (Oração pelas famílias – Padre Zezinho) tocada por Difi. Um aperto sufoca meu coração pelo presságio da ida de minha mãe.
Ás 10h30 saída do cortejo. Minha mãe, eu, meu pai, Wilson Filho, Aurizélio, Viviane, Célia e Mônica no carro do Gilberto Almeida, acompanhado do carro de som das Casas Bom Jesus tocando músicas de padre Zezinho e muitos... muitos carros com familiares e amigos seguem-nos.
No cemitério, às 10h50 uma última palavra de cada um dos filhos: Aurizélio, Wilson Filho e eu, que concluí com um discurso de agradecimento a todos que nos confortaram, fosse com uma palavra, um abraço, um carinho, um aperto de mão, uma mensagem de celular, ou... um olhar.
Aurilson ficou, ainda em estado de choque! Talvez sem querer acreditar ainda naquilo.
É mãezinha... vai... vai pra junto de Deus e ora por nós.
Eternas saudades! Te amaremos para sempre!

Auricélia Brito
Piripiri-PI, 14/06/2008.

Sonho ou pesadelo?


Quando se está com fome, a vontade que dar é comer aquele prato dos sonhos, o que te deixa em êxtase com a precípua e maravilhosa sensação de degustar a apetitosa guloseima.
Quando se está com sede não dá para pensar em outra coisa a não ser num copo de água bem geladinha, daquela que a gente só encontra no açude Caldeirão, lá em Piripiri.
E quando se está doente? A vontade é de estar no melhor hospital do mundo e sendo atendida pela equipe mais profissional e gabaritada, mas acima de tudo que seja “ser humano”, que tenha sentimentos, que seja igual a nós, digamos “seres inferiores”.
Explico: somos inferiores sim, na condição social e econômica, mas somos superiores pela maneira de ver e pensar o mundo e, principalmente, o nosso próximo.
Escrevo agora não no hospital dos sonhos e certamente, nem gostaria de estar aqui. Mas o destino me trouxe. Aliás, trouxe todos nós para uma enfermaria, onde não temos lençóis, nem bebedouros e às vezes nem um lugar digno para acompanharmos nossos doentes. Estou sim, no Hospital Getúlio Vargas, onde a maioria dos profissionais é eficiente. Não posso negar! Mas falta algo. E este algo é a parte das Relações Humanas. Essa que nós, “seres inferiores” tanto prezamos.
O “atender a um favor que pedimos”, “uma resposta digna para nossas indagações”, um tom de voz condizente com o nosso”... Será que é sonhar demais??
Talvez!
Mas o que vi na televisão e que talvez jamais pensasse em estar nem mesmo próximo, estou sentindo na pele: são macas pelos corredores e, às vezes, até insuficientes; pessoas passando horas em agonia sem serem atendidas; respostas ignorantes; desprezo de seres humanos. Claro!... Tudo isso... com algumas raras exceções. Daí, pergunto-me: meu Deus... onde estou? Mas Tu bem sabes!
Minha mãe... Ah! Minha mãe! Essa é a parte mais dolorosa desta história. Não quer mais conviver conosco neste mundo e isso me deixa numa situação muito desconfortável.
Tomar um coquetel de medicamentos não é a saída para os problemas dela, mas infelizmente o psicológico dela não age igual ao meu.
E estamos aqui, neste que era pra ser “nosso sonho de salvação”, como acontece com a sociedade, desde que começaram a se formar os primeiros médicos, curarem as primeiras doenças e inaugurarem os primeiros hospitais.
Talvez o que falta na vida dos profissionais de saúde seja um “enxergamento para dentro de si”, “projetar-se para o seu eu” como ser humano e comparar isso com o próximo. Quem sabe assim não teríamos pelo menos “uma” razão pertinente de estar num ambiente excessivamente fatigante.
Soube de um hospital novo que o governo inaugurou, mas que ainda não sei ao certo quem deve ir para lá.
Lembrei, neste exato momento, de um texto do Rubem Braga (“Luto da família Silva”) que fala de mais “um silva que morreu na vala comum”. Infelizmente, sou também mais uma silva, mas felizmente minha mãe “ainda” está viva.
A única coisa que sei é que na verdade tenho de pensar no HGV como meu “sonho de realidade” para a cura e assim sair com minha mãe bem e, acima de tudo “viva”, apesar de estar vivendo um intenso pesadelo.

Auricélia Brito
Teresina-PI, 07/06/2008.